Em nota distribuída entre o público, estilista disse que ‘a moda tem que mudar. Há muitas roupas, roupas que não servem para nada. Não joguem fora’.
Após meio século marcado por uma criatividade extravagante e um espírito transgressor no mundo da moda, o estilista francês Jean Paul Gaultier se despediu das passarelas nesta quarta-feira (22), cercado por suas musas, como Rossy de Palma e Mylene Farmer.
Gaultier antecipou que o desfile seria uma grande festa com “muitos amigos”, e não decepcionou. No elegante teatro musical de Châtelet, com orquestra e cantores ao vivo, o antes “enfant terrible” da moda apresentou mais de 200 looks em um ambiente de euforia, com modelos sorridentes e exageradas, além de um público que aplaudiu com entusiasmo por mais de uma hora.
O estilista, de 67 anos, anunciou na última sexta-feira, de surpresa, que esse seria seu último desfile, mas garantiu que sua marca, propriedade do grupo espanhol Puig, continuaria com um projeto que seria anunciado brevemente e do qual é um “instigador”.
“A moda tem que mudar”
“Acredito que a moda tem que mudar. Há muitas roupas, roupas que não servem para nada. Não joguem fora, reciclem”, diz Gaultier em nota distribuída entre o público, explicando pelo menos de forma parcial sua decisão de colocar ponto final em seus desfiles.
“Essa noite, verão minha primeira coleção de alta costura “upcycling”; abri as gavetas”, disse citando a técnica que consiste em utilizar peças antigas e dar nova vida à elas.
Antes de Rossy de Palma, Mylene Farmer e as irmãs Bella e Gigi Hadid desembarcarem na passarela usando as últimas criações com base de jeans, cintos de couro, seda e tule, o desfile começou com a representação de um funeral, com modelos em looks pretos totalmente estáticas.
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Com trilha sonora de Boy George, um caixão entrou no cenário com dois seios cônicos presos na tampa. Uma coroa de flores dizia “Moda para sempre”.
No final do desfile, subiu um telão para mostrar os bastidores e Gaultier com um macacão azul de trabalho, cercado por seus colaboradores, que acabaram levando-o nos ombros e enchendo-o de beijos.
O desfile aconteceu durante a Semana da Moda de Alta Costura, que ocorre entre um seleto clube ao qual Gaultier pertence desde 2001 junto a outras 15 marcas, como Dior e Chanel.
“Inconformista”
Subversivo e livre, Gaultier é um dos estilistas mais importantes de todos os tempos, e desafiou a tradição da beleza tradicional incluindo todas as orientações sexuais em seus desfiles, muito antes dos demais. Também foi precursor na fusão de gêneros na passarela.
Nos anos 1980, revolucionou a moda com suas criações geniais, como o corpete cônico usado por Madonna, a saia masculina e a camiseta listrada de marinheiro, uma reinterpretação em homenagem à sua avó, que o “vestia de azul”.
Gaultier fez seus desfiles longe do tradicional formato rígido da passarela, montou verdadeiros espetáculos cheios de excentricidade e ousadia, mais próximos de um cabaré.
“Estilista inconformista busca modelos atípicas. Rostos disformes são aceitos”, dizia um anúncio que publicou nos jornais nos anos 1980.
Convidou para a passarela homens mais velhos, mulheres com sobrepeso e em 2014 colocou em sua passarela a drag queen Conchita Wurst.
Criou também figurinos para filmes como “Má educação” e “Kika”, de Pedro Almodóvar, “O Quinto Elemento” de Luc Besson, e colaborou com seus desenhos coloridos no carnaval do Rio e no Dia dos Mortos do México.
Muitos o consideram referência histórica, como o estilista espanhol Alejandro Gómez Palomo, cuja marca Palomo Spain desfila com sucesso em Paris há dois anos.
Todos belos!
“Jean Paul Gaultier tinha 17 anos quando começou a trabalhar comigo, acreditava nele e continuo acreditando nele. É o único a quem apoiei”, lembrou recentemente seu mentor Pierre Cardin em uma entrevista à AFP.
Em 2018, declarou que “todo mundo é belo” em seu espetáculo autobiográfico “Fashion Freak show” em Paris. Seu sucesso lhe deu asas para voar além das semanas de moda, segundo especialistas.
“Há muitos anos que ouvíamos falar de Gaultier, tenho que tomar uma decisão, o momento chegará. O espetáculo lhe deu perspectivas de futuro”, segundo o historiador de moda Olivier Saillard.
“Era muito bonito ver o público rir, chorar, se sentir em comunhão com ele. É mais alegre que um desfile de moda que dura 11 minutos, com as pessoas fazendo fotos com seus smartphones e apenas aplaudindo”, acrescenta em entrevista à AFP.
Para esse especialista, Gaultier continuará “construindo aparências, mas de outra maneira”.